UM DESENHO POR SEMANA

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Noites em que estou cheia

Naquela noite eu estava cheia. Na verdade estava e não estava, como explicarei a seguir. Havia pelo menos umas mil pessoas ali, das quais apenas duas me agraciaram com a sua atenção. Engraçado, geralmente quando me apresento assim, tenho visibilidade da mídia, dos sábios e dos símplices. Mas naquele lugar não. Novecentas e noventa e oito pessoas não quiseram saber. Só tive dois espectadores. Às vezes é melhor ter a atenção total de duas pessoas do que inúmeros olhares só que distantes.

E foi assim, importei-me apenas com minha seleta e atenciosa platéia. Antes que minha parceira de palco se aproximasse, antes que nosso iluminador projetasse em mim sua sombra, decidi: “dar-lhes-ei uma atuação soberba que irá inspirá-los e modificar suas vidas para sempre”. Meus companheiros de Trupe Celeste e eu estávamos particularmente radiantes em nossa atuação naquele dia. Nada como um motivo além do simples ofício, além do dom natural para realizar alguma coisa.

Os dois da platéia ficaram atentos em nós, via-os conversando por frases curtas, elogiando-nos pela execução do espetáculo que oferecíamos. Enquanto atuávamos percebia neles um espanto pela falta de platéia ali. Como que se nada entendessem, olhavam dos lados e viam pessoas dispersas em suas preocupações cotidianas, em suas pressas, em suas programações e compromissos, num burburinho contínuo perdendo o maravilhoso fenômeno que realizávamos.

Foi nesse minuto que o meu desejo se realizou, e suas vidas começaram a mudar para sempre. Quando novamente voltaram sua atenção para nós, todos os outros que estavam ao seu lado desapareceram. Não havia mais burburinho, gente correndo para chegar em algum lugar, resolver alguma coisa ou seja lá o que for. Estavam a sós, conosco. Pelos minutos que se seguiam, os maravilhamos, os inspiramos, os excitamos, fizemos com que levitassem (sim nós somos muito bons no que fazemos, se é o que você está pensando) Fizemos com que eles apenas aproveitassem de nós e se percebessem.

No final de nossa apresentação ficou a certeza de um ótimo trabalho, vimos em seus olhos.

Como disse antes, naquela noite eu estava cheia, estava mesmo, fiquei à sombra para aparecer mais. Dei espetáculo para dois que se tornaram um, tempos depois. Sem falsa modéstia ajudei-os nisto, aliás, presto esse serviço desde o início de minha carreira. Mesmo quando me apresento de maneira mais modesta, do que naquele dia, isso acontece. Também não é todo dia que dá para gente fazer um Eclipse. O que importa é que sempre vou me lembrar daqueles dois, pois sei que eles sempre se lembram de mim, me admiram em dias, ou melhor, noites, como a de hoje.
Noites em que estou cheia.
Feliz dia dos namorados, Cyn

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